segunda-feira, 7 de junho de 2010

12- Blusa com zíper

 
Desabafei com ele o que pude pelo curto caminho. Antes de entrar na sala, Jack deu um beijo na minha testa, “Você se sentiria melhor se falasse isso pra elas... Não tem por que ficar se preocupando tanto assim.”.
Olha quem fala...
Eu andava tão irritada com tanta coisa, mas nenhum dos meus motivos fazia sentido. O que tinha de tão ruim em meu primo namorar minha amiga? Eles estavam felizes. O que tinha de tão ruim em minha amiga ter os problemas dela e não querer me contar tudo? Eu também fazia isso. Tudo tinha que ser do meu jeito?
Nem notei quando as aulas acabaram.


Não sei o motivo, mas enquanto me perdia em pensamentos - tentando achar o que realmente tivesse me deixado daquele jeito - e olhava aleatoriamente as minhas roupas no guarda-roupa, vi aquela minha blusa com zíper que nunca mais tinha usado e o que ela me lembrou quase me fez chorar.
Por que eu ainda guardava uma blusa antiga e que eu jamais usaria novamente?


 
Eu tinha completado treze anos há uma semana exatamente e pelo telefone ele perguntou se eu não queria ir até a sua casa...
“Tem certeza? O que eu vou fazer aí?”, perguntei com uma ingenuidade irritante.
“Ah, deixa pra lá. Daqui a pouco eu tenho que sair mesmo, nem sei por que perguntei isso.”.
Pensei que ele querer a minha presença daquele jeito significasse que ele estivesse apaixonado por mim. Aquela ideia me deixou tão contente.
Por que eu queria tanto assim ser amada?


“Mas eu não tenho problema em ir. Não estou fazendo nada aqui mesmo. E vai ser legal conhecer a sua casa...”, insisti.
Ele ficou em silêncio e me deixou tensa.
“Ákyl?”.
“Oi... Estou aqui. Só não sei se é uma boa ideia. Não sei o que eu faria. Eu estou agitado hoje, sabe...”.
Aquela frase deveria ter me afastado. Era o aviso que eu precisava. Mas se eu não fosse, ficaria me punindo o dia todo. Idiota! Mas como poderia adivinhar que ir me faria lamentar muito mais?
“Ah, o que tem?”.
E com isso consegui a permissão para ir.


Coloquei a minha nova blusa preferida. O Jack tinha me dado de presente de aniversário. Ela ficava tão bem em mim...
Ao chegar à vizinhança comecei a me preocupar com algum vizinho que pudesse me ver. Ninguém pensaria algo bom. Uma adolescente sozinha na casa de um homem solteiro. E não qualquer homem, mas o diretor de sua escola.
Toquei a campainha e ele não demorou a atender. Com a sua serenidade costumeira. Como se não fosse perigoso ser visto comigo ali na porta de sua casa.


Ele me mostrou somente a sala de estar. E me contou alguma história triste sobre a sua família. O fato de ele nunca ter falado sobre isso comigo antes e por ser um assunto que ele mantivesse em silêncio com tanto cuidado fez com que eu me sentisse especial.
Beijou-me no sofá da sala e só então eu percebi que havia uma música tocando. Suas mãos passearam pelo meu corpo de uma forma que me incomodaram. Levou-me até o quarto e eu fui sem hesitar.


Ficar nua na frente de um homem pela primeira vez e ainda de um homem tão indecifrável como ele me deixou muito insegura. Mas apesar de seus toques continuarem me incomodando, seus beijos me distraíam. E eu queria muito sair dali, mas eu sabia que ficaria até o final. Ele não dizia uma palavra e eu teria chorado se não estivesse surpresa demais com o rumo que a visita tinha levado. Quando terminou, ele sequer ficou deitado do meu lado. Pediu que eu me vestisse e tão logo me dispensou com a desculpa de um compromisso.
Deu-me um beijo rápido nos lábios bem na porta de sua casa, acho que a vizinha que caminhava na rua viu. Durante todo o meu caminho de volta, fiquei me perguntando sobre o motivo dele ter me tratado daquela forma tão fria. Mas arrumei desculpas por ele com a mesma facilidade de sempre. Devia ser difícil por sua historia com a esposa e filha. Talvez ele tivesse pensado nelas. Talvez ele estivesse chorando também. Eu o perdoei automaticamente.


Mas, vendo aquela blusa que inconscientemente eu tinha deixado de usar, eu me sentia traída e usada. Se ele me amasse não teria problema em esperar até que eu completasse dezoito anos e pudesse sair com ele às claras. Se por dois anos não tinha tido problema.
Cheguei a pensar que talvez ele estivesse com ciúmes dos rapazes com quem eu saía, mas... Só parecia mais uma desculpa que eu arrumava para ele. Estava na hora de deixar esse hábito.
Qual tinha sido o motivo de tudo aquilo de verdade? E por mais que ele me dissesse alguma verdade cruel o suficiente para que eu acreditasse, não faria diferença. Eu tinha sido uma idiota de qualquer forma.

 
Não conseguia jogar aquela blusa fora. Porque me lembrava do meu amigo cheio de sorrisos dizendo que tinha me visto desenhando uma blusa como aquela. E não tinha como eu contar algo assim para o Jack. Ele devia perceber que eu não a usava, mas enquanto ela estivesse no meu guarda-roupa a minha culpa seria menor.
Tentei vestir a blusa, mas o meu nervosismo fez a costura abrir. Não segurei mais as minhas lágrimas...

domingo, 6 de junho de 2010

11- Quem é vivo sempre aparece...


Assisti a todas as aulas naquele dia e, por não estar familiarizada com nenhum dos meus colegas de classe, agi como uma aluna exemplar. Não tinha distração, então só me restava estudar mesmo.
Quando tocou o sinal para o primeiro intervalo comecei a me preocupar. E se o Raffael também me procurasse no intervalo? Eu não queria isso.
Pensei no único lugar em que eu poderia ficar sem ser incomodada, era uma sala bem pequena com caixotes aglomerados. Eu tinha a chave graças à proximidade que tinha com o diretor, mas não sem muita insistência. Lá era perfeito para ficar sozinha, mesmo que eu a tivesse usado apenas uma vez ou duas.


Fui com pressa para a sala, mas pelo corredor a minha visão foi capturada por um cabelo alaranjado único. Ela continuava incrivelmente linda. As bochechas rosadas e sardentas. O tom de verde água em seus olhos. Qualquer mulher mortal queria ser exatamente como ela ou pelo menos ter metade de sua beleza. Como ela conseguia ser tão linda em tantos pequenos detalhes? A única coisa que destoava um pouco a sua beleza era a sua voz, que escapava para um tom mais agudo do que a maioria, mas até mesmo como ela falava fazia isso ser apenas um detalhe ignorável visto por olhos invejosos como os meus.


Eu não suportava a sua presença, ela me ofuscava completamente. Era impossível competir com alguém assim. Ela parecia tão fútil e vulgar que eu até lamentava tanta beleza usada tão descuidadamente. Mesmo que ela não parecesse ser uma má pessoa, eu sabia que não poderia ser sua amiga. De uma maneira bastante egoísta, eu pensava no quanto odiaria me sentir inferior o tempo todo.
Depois de um semestre inteiro ela apareceu novamente na escola. Ao vê-la tão sorridente caminhando pelo corredor ao lado do Scott que eu consegui entender o humor insuportável que a Mariana despejava em nossa última conversa. Kate James estava de volta, como ela poderia competir com isso?


Scott parecia sempre tão apaixonado ao lado da Kate que doía até mesmo no meu coração. Com a minha distração sequer me preocupei com o motivo da irritação da minha amiga. O que será que tinha acontecido entre ela e o Scott agora com a chegada da Kate? Mariana era tão ciumenta e incompreensível. Se até eu mesma estaria enlouquecida com algo assim, imaginei como ela não estaria.
Eu era uma péssima amiga no final das contas. Reclamando de que elas tinham se afastado de mim, mas já estava facilmente me conformando e acostumando com a ausência delas.
E talvez eu que estivesse cega pelo ciúme. Querendo minhas amigas apenas para mim. Odiava que elas estivessem apaixonadas e ter que dividi-las. Infantil e egoísta, mas mesmo tendo essa consciência eu não conseguia deixar de sentir meu coração doer ao pensar em tudo aquilo.
Desisti da ideia de ir para a salinha.


Tinha passado um dia ou dois, eu já nem sabia mais, desde a última conversa que tive com minhas amigas. Meu coração apertava enquanto eu as procurava pelo colégio. Eu ansiava por vê-las novamente. Reconhecia o quanto meus pensamentos eram exagerados e dramáticos e por isso mesmo eu não falava deles. Pelo menos, o quanto possível.
Estavam todos no refeitório, exatamente como no semestre passado. E assim que os vi sorrindo o meu coração se acalmou. Até mesmo a Mariana estava diferente. Dócil como quando a conheci. Sentada com eles eu me perguntei sobre como tinha conseguido ficar qualquer dia que fosse longe das pessoas que eu tanto amava.


Eu queria muito saber sobre como a Mariana se sentia, mas ela parecia tão bem que temi estragar o seu humor com uma pergunta assim. Mais tarde eu perguntaria a Yasmin, nem que eu tivesse que sequestrá-la do Derick. Era tão irritante que eles não se desgrudassem.
“O que foi, eheim, Lily?”, Mariana me perguntou de repente.
“Ahm?”.
“Você está estranha. Com essa cara preocupada e pensativa. Aconteceu alguma coisa?”.


Todos na mesa me encararam, tentando conferir o que a Mariana tinha acabado de dizer. Sorri nervosa e coloquei a minha mão sobre a do Jack na mesa, ele sempre se preocupava mais do que devia.
“Eita, estou normal. Só estou quieta ouvindo vocês...”.
“Pois é. Não tem nada de normal nisso.”, Mariana disse resignada, depois caindo na gargalhada com o restante do pessoal, eu ri sem humor, mas Jack não acompanhou. Esse comportamento dele que fazia as pessoas pensarem mal. Ele tinha que levar tudo tão sério?


“Tão engraçados... Deus me livre de ficar triste perto de amigos tão sensíveis assim.”, fui sarcástica.
Quando estávamos retornando para as nossas salas, meu amigo começou com o inquérito de preocupação. Queria que meu pai pudesse se preocupar comigo assim.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

10- Oi, Silvinha

 
Quando o Ricardo resolveu tomar um banho eu deixei a sala e fui para o quarto. Liguei o computador e acessei o MSN. Só tinha uma menina online, não me lembrava dela, mas era um daqueles contatos que só fazia número. Bufei.
Fiquei me distraindo com qualquer bobeira na internet, quando vi que alguém tinha iniciado uma conversa comigo pelo MSN. Silvinha... Não precisei de esforço pra saber quem era. Era estranho chamá-lo assim, não combinava com a imagem que tinha dele. Parecia feminino de alguma forma, mas ele não devia se incomodar.


Silvinha - oi moça
matando aula tb e
coisa feia rsrsrsrs
Era a minha chance de não ser mais ignorada por ele. Eu conseguiria de qualquer forma, mas estava tão nervosa que não fazia ideia de como.
Lih – kkkkkkk
sumido!
nunca mais te vi, menino
Silvinha – po depos d um forra fikei com o koraçao partido
Ele escrevia muito errado e aquilo só me fazia pensar no quanto eu estava perdida me interessando por alguém assim.
A conversa foi rápida e seguiu o caminho que desejei.
Silvinha – nem acredito
nem vo consigui durmi direito pensando nisso
xega cedo nao eskeci ta
agora tenho q sai
bjao linda


Eu ainda estava me acostumando com essa nova sensação de ser desejada. Afinal, passei a maior parte da minha vida sendo rejeitada. Nos meus últimos dois notei as mudanças dos olhares e das respostas. Mas ainda não conseguia acreditar. Tentava encontrar no espelho o que podia ter de atraente em mim e mesmo que encontrasse alguma coisa, simplesmente não fazia sentido que eu pudesse ser a preferida de alguém. Por isso, as declarações amorosas sempre soavam falsas para mim. E eu não sabia lidar com a aceitação, por mais que a ansiasse. Eu sequer conseguia me entender e, quanto mais pensava, mais perguntas surgiam.
Joguei-me na cama já sentindo o coração disparado, tensa imaginando o encontro no dia seguinte. Seria antes das aulas começarem, na escola mesmo. Involuntariamente comecei a pensar em desculpas para não ir. Alguém devia me dar um tapa para que eu parasse com minhas bobeiras.

 
Apesar de todo o frio na barriga e mil desculpas já preparadas, lá eu estava, caminhando apenas com o Jack ao meu lado. Tinha levantado cedo demais, deixando meus primos para trás e arrastando o meu amigo comigo.
“Tê, eu sei que estou parecendo uma boba, mas... Eu estou muito nervosa. Não sei o que falar com ele, nem como agir. E se ele me achar idiota demais? Porque eu sei que vou ficar praticamente muda.”, eu estava tão imersa na minha neura que quase cheguei ao ponto de pedir ajuda ao Jack. Paquerar não era o forte do meu amigo, nem de longe. Não fazia ideia de como ele conseguia dar tão pouca importância para isso.

 
Encontrar o amor da minha vida era o que me fazia levantar da cama todos os dias. Mesmo que eu estivesse um pouco perdida com meus métodos, eu continuava o procurando. Não era possível que ele não existisse. De alguma forma, eu sabia que ele não era o Raffael, mas mesmo assim eu segui. E esses pensamentos eu não contava para ninguém, nem mesmo para o Jack.
“Apenas seja você mesma, Sally. Não tem como ele não se apaixonar.”, ele esboçou um sorriso, “Nos vemos depois. Tchau.”, e saiu na minha frente pelo portão da escola.

 
Era uma idiotice que eu quisesse que o Jack ficasse comigo enquanto eu me encontrava com o Raffael. Apesar de não ser a primeira vez que eu passava por algo assim, sempre parecia ser. Odiava essa sensação.
Não o vi entre os pouquíssimos alunos que já estavam espalhados pelo pátio. Sentei-me no banco e consegui relaxar. Soltei uma gargalhada despreocupada, quando pensei no quanto estava me sentindo como uma boba só por causa de um encontro não oficial.

 
Levei um susto ao olhar para o lado e ver quem pensei que não veria.
Ele tinha me visto rir que nem uma doida? Alguém me mate, por favor!
Ele parecia tão menos intimidador ou atraente daquele ângulo. Parecia como um dos meninos da banda. Perdi a vontade de beijá-lo instantaneamente e, apesar da culpa que já começava a sentir porque iria rejeitá-lo novamente, fiquei mais relaxada.

 
“Quase não consegui dormir.”. Foi engraçado ver aquele rapaz enorme e despojado me dizendo algo assim. A forma como ele disse, se balançando sem me encarar e com a voz baixa tentando não aparentar toda a vergonha que continha.
Meu coração deu um salto, mas eu sabia que era apenas o meu ego alimentado se manifestando. Eu seria muito egoísta se continuasse me encontrando com ele vendo o quanto o tinha empolgado com tão pouco. Eu só precisava voltar a chegar atrasada na escola que ele entenderia o recado.


Ele me fez companhia até que o sinal da primeira aula tocasse. Um dos rapazes mais populares da escola estava interessado em mim. Eu quase não conseguia segurar meu sorriso ao pensar nisso. Eu estava consciente de que ele não deveria ter muitas pretendentes por quase não ser bonito. E parecia gostar de namorar sério, o que eu também achava engraçado, porque ele era absurdamente irresponsável.
O que teria acontecido com o seu último namoro? Ele tinha até levado um buquê de flores para a namorada no dia do seu aniversário. Parecia tão apaixonado.

domingo, 23 de maio de 2010

9- Necessidade idiota!

 
"Estou cuidando da minha vida, porque a partir do momento em que as suas criancices estragam a minha noite é da minha vida que estou cuidando quando te digo pra ir se desculpar com a nossa prima.”, Talita.
“Ah, fica aí falando com as paredes que vou dormir!”.
Uma porta foi fechada com força, fazendo um estrondo.


“Ricardo Campos, você vai lamentar muito por isso. Não quis por bem, mas vai por mal ou não me chamo Talita.”.
Aquela ameaça me assustou. Ela com certeza cumpriria a sua promessa e até mesmo o Ricardo devia ter a mesma certeza naquele momento. Mas nem mesmo isso fez com que ele me procurasse e eu o odiei por ser tão orgulhoso.


“Ly, já está na hora.”, Jack tentava me acordar pela manhã.
“Não vou hoje. E eu não estou falando dormindo. Estou muito consciente da minha decisão.”, expliquei antes que ele insistisse.
“Não vai por quê?”.
“Porque é melhor dormir numa cama quentinha do que jogada no chão frio do ginásio.”, respondi com pouca vontade e ainda sem abrir os olhos.


“Quer que eu fique com você?”.
“Não, Cabeludinho. Como vou copiar a matéria depois?”.
“Daqui a pouco estou saindo.”, ele deu um beijo no meu emaranhado cabelo e fez um carinho, “Se cuida.”.


“Ah, pode deixar que depois de mais algumas horas de sono e de ver meus queridos desenhos animados estarei renovada.”, sorri com a ideia, “Agora, vai logo que está atrapalhando a primeira parte do meu plano onde eu durmo sem interrupção.”, brinquei, enquanto rebolei na cama exageradamente enfatizando a minha vontade de dormir.
Mesmo de olhos fechados pude visualizar o meu amigo sorrindo antes de ouvir a porta batendo de leve.


Só consegui dormir por mais uma hora e com muito custo. A dor de cabeça já começava a ameaçar e, antes que ela pudesse estragar o meu dia, levantei da cama.
Eu estava bem à vontade, deitada de qualquer jeito no sofá da sala, dando gargalhadas exageradas e falando com a televisão. Surpreendi-me quando vi aquele menino branquelo, com a cara amarrotada descendo as escadas. O que ele estava fazendo em casa também? Não ousei dar voz a minha curiosidade.
Sequer tinha lavado o rosto ainda. Eu sorria sempre que notava isso. Era incrível como ele continuava com a mesma mania de criança...


Precisei voltar o vídeo. Estava vendo todos os episódios que havia perdido de um anime que amava. Dando os meus típicos chiliques. Ele montou no braço do sofá em que eu estava e fez isso com tanta naturalidade que fez meu coração saltar de alegria.
“Muito fera essa luta, né! Ele é muito foda!”, ele comentou sem tirar os olhos da televisão.
“Foda não... Fodástico ao cubo!”, disse resignada.
Ricardo fez um som quando abriu um sorriso; eu adorava o seu sorriso bobo.
Ajeitei-me no sofá, “Senta aí.”.
“Ainda tenho que lavar o rosto...”.
“Ah, vai depois.”, e o puxei para o assento.


Ele sorriu novamente, sempre com o mesmo som que eu jamais confundiria. Ricardo estava concentrado vendo o anime, mas eu preferi ficar vendo as expressões que ele fazia. Meus pés em cima do seu colo.
“Vai ver o desenho não?”, ele me encarou, estreitando os olhos.
Eu ri, sem um pingo de vergonha, “Para de ser chato.”, ajeitei-me, colocando a minha cabeça em seu ombro. Peguei uma de suas mãos e joguei em cima do meu ombro.


“Nem é abusada, eheim!”, Ricardo fingiu se importar.
“Seja um bom primo, vai...”, desisti de soltar alguma gracinha quando ele começou a mexer no meu cabelo cheio de cuidado.
“Tampinha...”, ele disse rindo.
“Retardado...”, respondi com uma satisfação enorme. Não pelo simples fato de zombar dele, mas porque aquelas palavras voltaram a ser maneira carinhosa como nos chamávamos e não ofensas como estavam sendo nos últimos dias.


Ele largou meus cabelos e descansou a mão no meu ombro. Virei a cabeça para ver o seu rosto, a sua expressão... Era de tanto carinho que eu poderia ter me emocionado.
“Rick... Eu te magoei?”.
Ele soltou a mão na barra da minha blusa e ficou torcendo; tínhamos muitas manias em comum.
“Deixa isso pra lá.”, e deixou escapar seu sorriso tímido.


“Parece uma criancinha com esse rosto remelento.”, disse dando um tapinha de leve na lateral de seu rosto e rindo.
“Eu falei que era melhor ir...”.
Interrompi, virando-me novamente, “Shi... Já voltei umas mil vezes, assim não termino de ver nunca esse episódio.”.
“Ah, tá. Sou o culpado.”, respondeu sem humor.
Soltei uma gargalhada, falhando em ignorá-lo.
Minha manhã não poderia ter sido melhor. E fiquei imaginando se teria o dedo da bruxa da minha prima. Mas não tinha a cara dela. E no final, o que importava?!

8- Primo idiota!

 
“Ela quer falar com você.”, Jack.
Peguei o aparelho, “Prima?”.
Ouvi uma conversa do outro lado, “Ahm, falar com quem?”, era a voz do Ricardo.
“Prima, você ainda está viva?”, insisti.

 
“Sally?”. Estremeci quando a resposta veio do meu primo.
“Oi...”.
“Vocês não vêm? Estamos com fome, a Tali não nos deixou comer esperando vocês.”.
“Se for só por isso, só passar o celular pra ela que eu dou a bênção. Não quero estragar a sua noite com a minha presença.”, disse sem humor.

 
“Para com isso e vem logo, Ly.”, a voz dele saiu mais baixa e abafada dessa vez.
“Por que você está com tanta raiva de mim, Rick? Não posso me desculpar por algo que sequer sei.”, supliquei.
“Aff! Calma aí que o povo aqui não tem mais o que fazer não... Só um segundo, Lily.”.
Ri imaginando os outros tentando ouvir a conversa.

 
“Pronto... Lily, não estou com raiva de você... Mas você também só me procura quando precisa de mim!”, de amável ele passou a nervoso em um segundo.
“Não sei pra que preciso de você, Rick. E eu te procuro do mesmo jeito que você me procura. Não sabia que tinha alguma regra pra isso. E que eu saiba nos falávamos todos os dias, antes de você começar com a palhaçada. Não tenho vocação pra primo mal-humorado, desculpa.”.

 
“Eu com palhaçada? Ah, Sally, fala sério! Vai me dizer que não me procurava só quando queria ficar comigo? Que eu saiba não faço isso com você.”.
“Ótimo, agora mais essa! De que lugar tirou isso? Não sabia que você era alguma donzela. Pouparia tempo se você me dissesse o real motivo, Ricardo.”.
Ele ficou em silêncio e eu comecei a vasculhar nas minhas lembranças se tinha mesmo o procurado só para ficar. Mas parecia algo tão natural, não regulava as vezes que isso acontecia.

 
“Só acho melhor a gente parar com isso. Somos primos.”, a segurança na voz dele deu uma pontada no meu peito.
Desde quando ele se importava com isso? Aquilo o incomodava tanto assim?
“Custava ter dito isso antes? Morreu por ter dito a verdade? Ai, ai... Já sou bem grandinha, Rick e não vou morrer sem seus beijos.”.
“Então é isso. Agora vocês podem vir?”.

 
Ele levou aquilo com tanta tranquilidade... Fiquei incomodada.
“Não. Não vou não! Tomara que morra de fome também, gay dos infernos!”, e desliguei.
Senti-me uma idiota por ter sido tão infantil, mas... Comecei a chorar. Parecia que estava tudo dando errado naquele novo ano. Por que estavam todos se afastando de mim?

 
“Ah, Sally...”, Jack me chamou com carinho, enquanto me levantava do chão.
Eu descansei o meu rosto no peito dele, meu amigo me abraçou e isso fez exatamente o que imaginei que faria. Cessou minhas lágrimas. Ainda me sentia triste, mas ter o Jack por perto fazia a minha tristeza ser menor.
“Vamos logo pra casa.”.

 
Eram uns vinte minutos de caminhada de onde estávamos até em casa e eu não teria permanecido sem chorar durante toda a trajetória, senão fosse a mão do Jack segurando a minha o tempo todo.
Ele devia ter consciência da importância dos gestos dele pra mim. Mas comecei a me perguntar se eu fazia o mesmo para ele. Como ele conseguia se manter tão forte e bem, quando a vida dele parecia ainda ser mais triste do que a minha?

 
Quando chegamos, segurei com mais força a sua mão, não queria que ele soltasse.
“Ly, vai tomar um banho que vou preparar alguma coisa pra gente comer.”, ele disse com tanto afeto que me senti ainda mais frágil. Só com ele eu me sentiria confortável com essa sensação que eu tanto odiava.

 
Preferi a banheira, era mais fácil para relaxar e por meus pensamentos no lugar, se é que havia algum. Escolhi o repertório de músicas do Evanescence e esqueci o mundo que me cercava por um instante.
Fechei meus olhos e prendi a respiração, deixando a água cobrir a minha cabeça. Meus pés do lado de fora da água sentiram o incomodo do vento frio. Abri meus olhos, ainda submersa à água. Vi o rosto da minha mãe, mesmo que rapidamente. Caiu água por todo o banheiro quando saí da banheira com muita pressa.

 
Eu já tinha parado de brincar com o cabelo do Jack há um tempo e meu corpo já estava quente, mas eu não sabia quanto tempo havia passado desde que estava dormindo.
Era um mistério até mesmo para mim que eu dormisse como uma pedra e que nada pudesse me acordar, exceto a chegada dos meus primos... Eu sempre me assustava ao acordar sentindo a presença deles. E foi assim naquela noite. Eu acordei já ouvindo as vozes dos gêmeos pelo corredor.
“Que saco, Talita! Você está me enchendo há horas! Vai cuidar da sua vida e me deixa quieto!”, Ricardo.

7- Nostalgia idiota!

 
Sorri agradecida, “Acho bom...”.
Ele olhou sobressaltado para o pulso, “Tenho um compromisso agora. Vou correndo na frente.”, e ele saiu correndo mesmo.

 
“Ei!”, gritei impulsivamente.
Ele parou e se virou.
“Tchau pra você também, estranho!”.

 
Lá estava novamente a sua expressão de convencido e sem nenhum sorriso para abrandar. Caminhou até a minha direção sem pressa e aos poucos a sua expressão passou a carregar charme e insinuações. Ele chegava muito perto, me intimidando. Afastei-me e acabei encostando na parede atrás de mim. Ele parecia gostar.
Puxou o meu queixo para cima fazendo com que nossos rostos se encontrassem, “Até logo, gata...”, encostou os seus lábios nos meus e eu abaixei o rosto que foi repuxado para cima logo em seguida. Não tentei mais resistir.

 
Depois do beijo ele se afastou sorrindo, “Agora sim é um tchau. Aprende, porque eu só aceito assim.”, e sumiu antes que eu pudesse responder malcriadamente.
Quando recuperei o meu fôlego olhei para os lados, temerosa por alguma plateia. Fiquei agradecida quando não vi ninguém.

 
Tentei abrir a porta da sala dos meus amigos, mas já estava trancada.
Ninguém esperou por mim.
Eu sabia que se fosse para a sorveteria ou para a lanchonete os encontraria, mas não podia ir me sentindo daquele jeito. Só estragaria a noite deles.

 
Passei pelo final do corredor até a porta de saída com pressa, queria logo chegar em casa.
“Lily!”, aquela voz grave era inconfundível.
Meu coração acelerou com a surpresa e já não consegui mais segurar uma lágrima boba, mas ela não desceu com a tristeza que se formou... Era de alívio e vinha acompanhada de um sorriso. Mas sequei com pressa, antes de me virar.
“Jack!”.

 
“Pensei que não fosse mais...”, o interrompi quando saltei o abraçando, “Ei, ei... O que aconteceu?”.
Como ele podia me conhecer tão bem assim?
“Não queria ir sozinha pra casa.”, uma meia verdade.
“Já quer ir pra casa?! O pessoal está na lanchonete nos esperando.”.

 
“Não sei se é uma boa ideia. O Ricardo está com raiva de mim.”.
Jack abriu um curto sorriso, “Não acho que seja bem assim. Se você quiser, eu converso com ele.”.
Os dois eram amigos e o Jack era bom em perceber as coisas. Ele era um ótimo observador. Devia saber o que era.
Como não pensei nisso antes?!

 
“Mas o que é então?”.
“Me deixa conversar com ele primeiro...”.
Concordei com a cabeça e suspirei pesarosa. Esperar não era o meu forte, mas eu esperaria.
“E então... Podemos ir?”, Jack.
“Acho que prefiro mesmo ir pra casa, Jack...”.
“Tudo bem.”

 
“Ah! Não! Melhor ainda... Você ainda tem como tocar agora?”, mas me arrependi logo em seguida. Ele devia estar cansado e eu estava sendo egoísta, “Não, deixa isso. Vocês ainda gravam os ensaios?”.
“Não tenho problema em tocar agora... E sim, gravamos. Está ali na sala o gravador.”.
“Não precisa tocar nada não. Só queria poder ouvir alguma coisa antes de ir embora. Está com pressa?”.

 
“Não.”, pegou a minha mão me guiando até a sala.
Eu já podia me sentir melhor, assim que pisei naquela sala novamente. Eu fui com pressa até o aparelho, mas antes que eu pudesse ligar, percebi o meu amigo distante de mim. Jack estava pegando o baixo.

 
Ele não disse nada quando começou a tocar. O som tomava conta da sala e eu sentia as batidas do meu coração acompanhando a música. Era lindo ver o Jack tocando, mas fechei os meus olhos para me sentir completamente envolvida pelas emoções que aquele som despertava em mim. Era muito forte...
Mas de repente ele parou. Cedo demais. Abri meus olhos ainda desejando mais.

 
“Vai mesmo participar do teatro? Gostou da tarde hoje?”.
Levei tempo para encontrar novamente as palavras na minha mente.
“Vou ser a personagem principal novamente. Parece que encontrei alguma coisa em que eu seja razoável.”, eu sorri, mas não fui acompanhada.

 
“Você sabe muito bem que pode ser o que você quiser. E tenho certeza de que será sempre ótima no que escolher.”.
Era melhor não retrucar, mesmo que eu não concordasse. Se fosse assim eu estaria na banda deles. As coisas não eram tão simples e fáceis assim.
Ignorei o seu comentário, “A única coisa ruim é que não posso mais ficar aqui com vocês. Antes eu podia enrolar as meninas e passar quase a tarde toda com vocês, mas agora é impossível. Em vez de ouvir a linda voz da Tali, tenho que ouvir a da Fernanda... Será que ela não fica cansada falando tanto?”.

 
Consegui ver o Jack sorrindo.
“Tenho que ligar pra Tali avisando que não vamos.”, e catou o celular do bolso.
“Vou pegar um refri pra gente...”.
Deixei a sala e fui até a máquina de refrigerante. Tantas opções... Fiquei pensando se eu queria mesmo refrigerante, quando ouvi meu amigo me chamando.